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Entrevista Profa. Fátima Nunes: Realidade Virtual e Aumentada na área da saúde

Prof. Fátima Nunes. Foto: divulgação.

Você sabe o que é realidade virtual e quais os impactos dessas nova tecnologia na área da saúde? Essa é a pauta principal de uma entrevista que fizemos com a Professora Dra. Fátima Nunes, docente do Programa de Pós-Graduação em Sistemas de Informação da Universidade de São Paulo – USP. Na entrevista, discutimos em que medida esses recursos tecnológicos podem potencializar o atendimento ao paciente e o trabalhos dos profissionais de saúde no Brasil, quais os desafios e as possibilidades deste setor. Confira:

NUTEDSPra começar, professora, uma pergunta básica: o que é/do que se trata esse fenômeno que chamamos hoje de Realidade Virtual e Aumentada?

Fátima NunesEsses dois termos constituem uma área dentro da Computação que envolve principalmente conceitos de processamento gráfico. A Realidade Virtual (RV) e a Realidade Aumentada (RA) devem ser vistas como duas tecnologias diferentes, porém complementares. As duas envolvem a construção de sistemas computacionais que ofereçam ao usuário um ambiente em três dimensões (3D)  com interação em tempo real, isto é, o sistema deve responder imediatamente às ações dos usuários. Esta interação deve ocorrer no próprio ambiente 3D. A ideia é que a construção desses ambientes tridimensionais possa oferecer ao usuário uma interação mais natural, como se ele estivesse interagindo com um ambiente real, pois o mundo real possui três dimensões. Para que esta interação seja mais natural podem ser usados equipamentos específicos como sensores de movimentos, luvas e outros dispositivos  acoplados ao corpo do usuário. Essa característica é a principal diferença entre os sistemas de RV e RA em relação à maioria dos sistemas disponibilizados hoje, cuja interação ocorre em duas dimensões. Os ambientes de RV e RA podem ser utilizados para as mais diversas finalidades, sejam elas existentes no mundo real ou imaginadas pelo ser humano. Por exemplo, podemos simular um treinamento na área de saúde cujas tarefas existem no mundo real, oferecendo uma sala de cirurgia virtual e um paciente virtual .  Ou, ainda, podemos construir um sistema que reproduza com fidelidade um local turístico para que usuários que não possam conhecer tal lugar fisicamente possam fazê-lo virtualmente, sendo possível utilizar dispositivos que estimulem os sentidos, tornando a experiência muito próxima da real. Mas também podemos construir sistemas que não existem no mundo real para que situações perigosas ou fisicamente impossíveis possam ser vivenciadas. Como exemplo, podemos construir um sistema que permita visualizar os efeitos de um medicamento dentro do corpo de um paciente, que constitui uma situação que não pode ser experimentada no mundo real. A diferença entre RV e RA é que na RV os elementos são totalmente virtuais, isto é, tudo é construído pelo computador, enquanto que na RA elementos virtuais se unem a elementos reais em uma mesmo sistema. Um exemplo recente muito divulgado de RA é o jogo “Pokemon GO” que mistura elementos virtuais (os monstrinhos) com elementos reais (os locais reais capturados pelas câmeras dos celulares).

NUTEDSComo a senhora avalia o cenário de aplicação de recursos tecnológicos desse tipo atualmente no Brasil?

FN No Brasil, a maior parte dos sistemas de RV e RA estão sendo desenvolvidos em ambientes de pesquisa, principalmente em Universidades. Vários grupos têm desenvolvido tecnologias que auxiliam em simulações, treinamento e ensino, mas poucos sistemas têm, efetivamente, sido aplicados no setor produtivo e no dia-a-dia sociedade. As aplicações que têm chegado efetivamente ao usuário são, majoritariamente, na área de entretenimento. No entanto, alguns grupos têm estabelecido parcerias com profissionais de outras áreas para desenvolver e avaliar suas pesquisa, o que já constitui um primeiro passo para que ocorra, em um futuro próximo, uma transferência efetiva de tecnologia. Temos, por exemplo, alguns grupos trabalhando com fisioterapeutas e médicos, desenvolvendo aplicações para reabilitação e treinamento na área de saúde. Isso já tem ocorrido em universidades como USP, UFPB, UFRGS, UFPE, UERJ e UFU, entre outras. As áreas de aplicações são inúmeras no Brasil e os sistemas de RV e RA podem contribuir muito em várias frentes. A construção e o teste de produtos virtuais (veículos, por exemplo) antes de construir protótipos físicos pode reduzir os custos de produção. O uso de RV e RA na educação pode tornar o aprendizado mais atrativo. Sua aplicação em tratamentos de reabilitação de pacientes pode tornar a terapia menos enfadonha. Enfim, esses são apenas alguns exemplos para mostrar que a RV e RA, além da pesquisa, pode constituir uma oportunidade de mercado de trabalho ainda muito pouco explorada.

 

Mas, tudo o que é desafio, é também uma oportunidade. Assim, acredito que esta área constitui hoje uma grande oportunidade tanto de pesquisa quanto de geração de produtos para o setor produtivo.

 

NUTEDSDe que maneira a Realidade Virtual e Aumentada pode ser aplicada em áreas como a saúde?

FN Há muitas aplicações que podem ser feitas e, acredito, que esta é uma das principais áreas que podem gerar oportunidades de pesquisa e desenvolvimento. Embora existam outras classificações, os sistemas de RV e RA na área de saúde podem ser divididos em três áreas: treinamento de profissionais, treinamento de pacientes e simulações. No treinamento de profissionais, podemos pensar em qualquer procedimento que um profissional da área de saúde deve dominar, desde a entrevista de um paciente em um consultório, passando por procedimentos mais simples como a aplicação de uma injeção e chegando a procedimentos complexos, como cirurgias. Existe, na Europa, uma discussão de tornar simuladores de procedimentos obrigatórios antes de o profissional ter contato com pacientes reais. Acredito que uso de tais aplicações possam trazer muitos benefícios, como a disponibilidade do ‘paciente’ o tempo todo (pois ele é virtual) e a possibilidade de repetir o procedimento inúmeras vezes antes de aplicá-lo em pacientes reais. Isso pode contribuir para melhorar a qualidade da formação dos profissionais. Na segunda categoria (treinamento de pacientes), podem ser incluídos quaisquer sistemas que visem a ensinar ou a possibilitar tratamentos. Como exemplo, temos o ensino de hábitos alimentares a crianças, o ensino de procedimentos rotineiros a pacientes com doenças crônicas (tais como a aplicação de insulina em diabéticos) e também o acompanhamento de terapias de reabilitação que envolvem tarefas repetitivas. Jogos de RV e RA têm sido muito utilizados para atingir o objetivo de treinar pacientes, pois podem incluir elementos lúdicos que contribuem para que a tarefa seja conduzida de forma mais divertida. Finalmente, na terceira categoria podem ser incluídas aquelas aplicações que visem a simular alguma situação que seja difícil, impossível ou perigosa de ser vivenciada fisicamente. Aqui, por exemplo, é possível simular os resultados de um tratamento novo ou o efeito de uma nova droga sobre um determinado paciente, considerando suas características individuais.

NUTEDS Que oportunidades a aplicação da Realidade Virtual poderia significar no aprimoramento dos serviços de saúde pública no país, tanto para profissionais quanto para pacientes?

FN Como dito acima, esses sistemas poderiam contribuir para que os profissionais possam ser treinados de forma mais eficaz, melhorando a qualidade dos profissionais formados. Nem sempre pacientes estão disponíveis para o aprendizado de determinados procedimentos e alguns procedimentos são complexos. Assim, a disponibilização de sistemas de RV e RA em uma primeira fase de treinamento do profissional, poderia prepará-lo mais adequadamente para executar o procedimento em pacientes reais. Em relação aos pacientes, acredito que alguns treinamentos poderiam ser mais efetivos, mesmo em locais nos quais a disponibilidade de profissionais de saúde é escassa. Por exemplo, um jogo para reabilitação que seja capaz de motivar o paciente poderia contribuir para que o paciente faça a reabilitação diariamente, com acompanhamento remoto do profissional, minimizando a necessidade da presença física do profissional ao lado do paciente.

NUTEDS Quais os grandes desafios para isso?

FN Há ainda vários desafios a serem vencidos no Brasil. Primeiramente, a falta de profissionais qualificados para desenvolver sistemas de RV e RA. São poucas as universidades que preparam profissionais para esta área. Em segundo lugar, as aplicações de RV e RA para a área de saúde, na sua maioria, requer sistemas realistas. Isso significa que essas aplicações devem reproduzir com fidelidade a aparência e o comportamento dos objetos virtuais. Para fazer isso é necessário o conhecimento de várias subáreas da Computação e também de outras áreas de conhecimento, como Física, Matemática e Engenharias. Também é necessário o conhecimento profundo da área de aplicação (seja ela da saúde ou qualquer outra). Assim, a construção dessas aplicações é um trabalho multidisciplinar. Em terceiro lugar,  o custo de equipamentos específicos, que ainda é alto. Para algumas aplicações são necessários dispositivo que permitem ativar alguns sentidos humanos, como a visão em três dimensões e o tato. A maior parte desses equipamentos não é ainda produzida no Brasil e a importação dos mesmos implica em custo alto de construção e uso das aplicações. Mas, tudo o que é desafio, é também uma oportunidade. Assim, acredito que esta área constitui hoje uma grande oportunidade tanto de pesquisa quanto de geração de produtos para o setor produtivo. Há, ainda, muita coisa a ser feita.