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Entrevista Prof°. Chao Lung Wen: desafios e perspectivas da Telemedicina no Brasil

O Núcleo de Tecnologias e Educação à Distância em Saúde da Universidade Federal do Ceará (NUTEDS/UFC) realizou uma entrevista com o Prof°. Dr° Chao Lung Wen, chefe da Disciplina de Telemedicina da Universidade de São Paulo (USP). Na pauta, os desafios e as perspectivas da Telemedicina e das novas tecnologias educacionais interativas para potencialização da educação em saúde. Confira:

NUTEDS – Grosso modo, Professor Chao, como podemos definir Telemedicina?

Prof. Chao Lung WenOlha, eu prefiro definir Telemedicina como sendo o provimento de serviços médicos de qualidade usando tecnologias interativas. Eu acho que é mais fácil usar esses termos do que os termos antigos, que tratavam de fatores como a distância, distribuição… Hoje, nós podemos retirar esses termos para o provimento de serviços de qualidade. Você me perguntou sobre Telemedicina. Se alguém perguntar sobre Telessaúde, E-health… Aí, nós precisaríamos discutir esses termos especificamente. Mas Telemedicina não é só prover serviços médicos de qualidade usando tecnologias interativas, isso porque ela também pode abordar três grandes eixos: seja na área de educação interativa, seja na área de teleassistência ou seja na área de pesquisa multicêntrica.

NUTEDS – E de que maneira o senhor avalia o cenário da Telemedicina no Brasil hoje?

CLWBom, eu diria pantanoso. Pantanoso significa muita gente acha que está trabalhando com Telemedicina, embora seja muito superficial. Além disso, nós não temos nenhum processo regulatório/jurídico que também consolide as atividades feitas por tecnologias interativas. As iniciativas neste sentido, então, continuam na fase de protótipo. Quando você entra no contexto do aspecto jurídico, regulatório ou de pagamento por serviços prestados, você passa para outro patamar, para o que chamamos de sistema autossustentável ao longo do tempo. Aqui, nós ainda estamos na primeira fase, aonde existe apenas o encantamento com as tecnologias. A Telemedicina no Brasil está na base da contemplação. Estamos contemplando tudo que é possível, mas não avançamos na efetiva implantação de projetos na área propriamente dita.

 

Um alerta que eu sempre faço é que se o Brasil não acordar e não desenvolver suas equipes em inovação, telemedicina e educação, até 2020 nós seremos apenas colônias internacionais.

 

NUTEDS – Tendo em mente essas dificuldades, quais seriam os grandes desafios para a implantação de um programa de Telemedicina que, efetivamente, atenda a uma demanda de nível nacional?

CLWMuita gente acredita que somente a ação do Ministério da Saúde pode resolver o problema. Eu particularmente acho que não. O Ministério da saúde pode até ter a intenção de fomentar atividades a serem desenvolvidas com recursos de Telemedicina, mas eu acho que o grande papel está dentro das universidades, em grupos de pesquisa e uma coisa fundamental que nós precisamos é internalizar nos programas de graduação. Hoje, você tem um grande grupo de profissionais médicos que já estão habituados com uma sistemática. Se nós queremos implantar a Telemedicina ou a Telessaúde conforme o Governo Federal tinha planejado para 2018/2020, a Telemedicina tinha de ser matéria obrigatória na graduação desde já, porque estes que estão na graduação hoje vão se formar 2020/2021 e já vão se formar com uma nova cultura. Qual é a cultura? Você não se forma, você se habilita e continua conectado à universidade, aos centro de pesquisas. Outro ponto é fortalecer a formação de médicos residentes, além de abrir cursos de capacitação desses profissionais. Em geral, eu parto do pressuposto de toda a comunidade médica, 10 ou 15% teriam interesse, mas se a gente instituísse isso em todas as graduações e residências como atividade obrigatória, em menos de cinco anos nós teríamos algo em torno de 50 mil profissionais habilitados de alguma maneira em Telemedicina. Nós formamos cerca de 10 mil médicos por ano. Eu acho que falta isso, essa formalização.

NUTEDS – Na Disciplina de Telemedicina da USP vocês têm desenvolvido alguns projetos bem interessantes, como o Homem Virtual e a MEDUSP, que fomentam o uso da tecnologia na área da saúde. Como surgiu a ideia destes projetos?

CLWNa verdade, o Homem Virtual é um projeto já um pouco velho, ou adolescente. Ele surgiu em 2003. Esse projeto foi criado a partir da ideia de como explicar informações complexas usando uma comunicação gráfica, dinâmica e que pudesse falar de forma precisa e no menor tempo possível.  O Homem Virtual não é desenho, é uma produção intelectual criando objetos a partir de computadores, tanto que hoje, com a popularização da impressora 3D ficou mais fácil, porque nós podemos pegar o que nós desenvolvemos e imprimir estruturas anatômicas desta forma.  O Homem Virtual é o que nós denominamos por objetos interativos de aprendizagem, baseado em computação gráfica 3D. A Medusp Digital é uma plataforma digital que nasceu de uma iniciativa que fomenta o desenvolvimento de laboratórios de inovação em educação.  Eu diria que o Medusp não é só uma plataforma. Hoje ele é um sistema de gestão instrucional e não apenas um compartilhador de conteúdo. Ela possibilita o acompanhamento do desempenho e do rendimento educacional, instrumentando o professor com informações que possibilitem que ele tenha acesso a todo o processo de ensino.

NUTEDS – A gente já acabou indiretamente falando sobre isso, mas, em sua opinião, os profissionais de saúde hoje estão, de alguma forma, mais abertos às novas tecnologias?

CLWNão, eu acho que não. Muita gente tem aquela ilusão de “ah, não, os alunos já entram na era digital, então tudo é mais fácil”, mas isso tudo é um mito. É um mito porque um aluno não tem medo de um smartphone, porque ele usa, mas isso não quer dizer que ele esteja habilitado a usar o smartphone como instrumento educacional. Ele usa para bater papo, não para avaliar conhecimento.  Nós tivemos um avanço, claro, porque os alunos não têm mais receio de internet, não têm receio de computador, mas isso não quer dizer que saibam usar essas ferramentas para fins educacionais. Portanto, eu particularmente, sou a favor de que todas as universidades tenham um centro de inovação em telemedicina, em teleducação e que estejam constantemente fazendo uma atualização dos alunos e dos professores nessas áreas. Para mim, não existe educação a distância. O que existe é uma educação interativa, que pode ser a distância, híbrida ou em apoio à presencial.

 

A telemedicina pode ser usada como sistema de norteamento do atendimento. Hoje, nós estamos fazendo a lógica inversa. Tem que esperar ter médico para poder ter telemedicina, e não o contrário.

 

NUTEDS Como o senhor avalia a formação de profissionais/estudantes da área da saúde diante dessa nova realidade de tecnologias que a Telemedicina faz uso?

CLWOlha, infelizmente, os estudantes da graduação são pessoas que não enxergam a telemedicina como algo importante. A Pós-Graduação já enxerga melhor, mas a graduação confunde Telemedicina com TI (Tecnologia da Informação). A primeira coisa que vem à cabeça é “eu entrei na Faculdade de medicina para ser médico, não TI”, então antes de qualquer coisa, a gente precisa quebrar esse entendimento errado. Depois, é preciso quebrar a inércia dos professores, que não têm tempo, não têm suporte suficiente, então preferem deixar como está. A única forma que eu vejo de começar a mudar isso é desmistificando esses pensamentos por meio da criação de ligas, atividades sociais que usem telemedicina, fortalecendo um grupo de apoio a professores e consolidando, assim, a Telemedicina no meio acadêmico.

Dos professores que estão na ativa hoje, uns 20% aderem ao uso tecnológico, no máximo. Ao longo dos próximos cinco anos, podemos atingir uns 50%, mas eu sinceramente não vejo a tendência de ser 100%. Não acho viável, exceto quando se torna obrigatório. Por exemplo, em vez de informatizar o conteúdo, informatizemos a prova. Quanto tempo um professor leva para corrigir uma prova? Um dia? E se levasse um segundo? Se leva um segundo e economiza seu tempo, você pode reinvestir o restante do tempo no conteúdo para aplicar. De qualquer forma, é preciso ter uma diretriz institucional que adote uma política e depois é preciso ter uma estratégia de implantação disso.

NUTEDS Que vantagens a Telemedicina pode trazer para a melhoria do atendimento à população?

CLWAí, talvez a gente já chegue a outro problema jurídico e conceitual. O primeiro é: o que nós estamos chamando de atendimento? Como definir isso e quais são as responsabilidades? O Brasil vai viver sempre em uma esquizofrenia. A telemedicina até funciona bem com a tecnologia que nós temos, mas porque não avança? Porque não há uma cultura sobre isso, às vezes não tem médico, não há um padrão de intercâmbio de informações… O ponto é que nós não temos a organização funcional de fato para que a telemedicina possa cumprir sua função. Quer melhorar a situação do sistema de saúde do país? Primeiro, organize os processos e diga o que é um atendimento, quando um pode atuar e quando não. Vamos supor: eu vou usar a telemedicina para atender uma cidade do interior. Eu quero, mas não acontece. Por quê? Porque não vai médico. Nesse caso, deveria haver uma resolução jurídica de ausência já indicando que se use telemedicina até que vá alguém. A telemedicina pode ser usada como sistema de norteamento do atendimento. Hoje, nós estamos fazendo a lógica inversa. Tem que esperar ter médico para poder ter telemedicina, e não o contrário.  Se não tem profissional, a telemedicina poderia melhorar a qualidade da logística na resolução dos problemas de saúde no Brasil. Mas não é só isso. Há ainda duas grandes vantagens da telemedicina: a prevenção e o que chamamos de Telehomecare, que serve para apoiar alguém que está em recuperação em casa. Tudo isso tecnicamente é viável. O nosso problema hoje é ver a telemedicina como uma tecnologia complementar e não como uma bússola que permite fazer ações rápidas.

Um alerta que eu sempre faço é que se o Brasil não acordar e não desenvolver suas equipes em inovação, telemedicina e educação, até 2020 nós seremos apenas colônias internacionais. A grande vantagem para a telemedicina é que você consegue colonizar qualquer lugar do mundo sem sair do seu local de origem. Então, precisamos investir em uma estratégia que fortaleça um programa contínuo nessa área.